No dia 25 de março de 2024 o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou o Acórdão dos Embargos Declaratórios nos autos da ADI 7222/DF, que trata do Piso da Enfermagem previsto na Lei nº 14.434/2022, nos seguintes termos (EMENTA parcial, com grifos nossos):

  1. A Constituição de 1988, ao prever o direito ao piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho (art. 7º, inciso V), não estabeleceu que ele fosse nacional e unificado, como o fez em relação ao salário mínimo (art. 7º, inciso V, da CF/88). Tampouco previu o texto constitucional que o piso fosse estabelecido por lei. Na ausência de tais condicionantes, resta legítima sua fixação por negociação coletiva e de forma 
  1. Consolidou-se um sistema no qual as negociações acerca de pisos salariais ocorrem de forma descentralizada e regionalizada, a partir do que dispõe a Lei Complementar nº 103/20, o que não é somente legítimo, mas necessário. As unidades federativas apresentam realidades bastantes díspares quanto às médias salariais dos empregados do setor de enfermagem, sendo também diversas a estrutura, a dimensão e a solidez da rede de saúde privada, o que atrai a necessidade de definição regional dos pisos salariais da categoria, em cada base territorial, seguindo-se as respectivas datas-base. 
  1. O acórdão embargado fixou que, na ausência de acordo entre as categorias acerca do piso salarial, sua implementação deveria ocorrer na forma da Lei nº 434/22. No entanto, nessa hipótese, não há negociação efetiva entre as partes. Há que se buscar condições que permitam que os sindicatos laborais e patronais efetivamente se reúnam para verificar a possibilidade de adoção de pisos salariais diversos dos definidos em lei. A solução que melhor se apresenta é a determinação de instauração de dissídio coletivo (art. 616, § 3º, da CLT) como instrumento viabilizador da tão almejada negociação coletiva, em alternativa ao imposto na Lei nº 14.434/22, respeitando-se as bases territoriais e respectivas datas-base. 
  1. O piso salarial se refere à remuneração global, e não ao vencimento-base, correspondendo ao valor mínimo a ser pago em função da jornada de trabalho completa (art. 7º, inciso XIII, da CF/88), podendo a remuneração ser reduzida proporcionalmente no caso de carga horária inferior a 8 (oito) horas por dia ou 44 (quarenta e quatro) horas

 Embargos de declaração do Senado Federal, da CNSaúde e da Advocacia-Geral da União parcialmente acolhidos, com efeitos modificativos, para 1) alterar o item (iii) e acrescentar o item (iv) ao acórdão embargado, nos seguintes termos: (iii) em relação aos profissionais celetistas em geral (art. 15-A da Lei nº 498/1986), a implementação do piso salarial deve ocorrer de forma regionalizada, mediante negociação coletiva realizada nas diferentes bases territoriais e nas respectivas datas-base, devendo prevalecer o negociado sobre o legislado, tendo em vista a preocupação com eventuais demissões e o caráter essencial do serviço de saúde. Sendo frustrada a negociação coletiva, caberá dissídio coletivo, de comum acordo (art. 114, § 2º, da CF/88) ou, independentemente desse, em caso de paralisação momentânea dos serviços promovida por qualquer das partes (art. 114, § 3º, da CF/88). A composição do conflito pelos tribunais do trabalho será pautada pela primazia da manutenção dos empregos e da qualidade no atendimento de pacientes, respeitada a realidade econômica de cada região; e (iv) o piso salarial se refere à remuneração global, e não ao vencimento-base, correspondendo ao valor mínimo a ser pago em função da jornada de trabalho completa (art. 7º, inciso XIII, da CF/88), podendo a remuneração ser reduzida proporcionalmente no caso de carga horária inferior a 8 (oito) horas por dia ou 44 (quarenta e quatro) horas semanais;

Seja pelo conteúdo da Ementa, seja pelos fundamentos da decisão, pode-se ter os seguintes indicativos para as relações de emprego do setor privado, mantidas por empregadores que não percebem subsídios do Governo Federal:

  1. o piso salarial se refere à remuneração global, e não ao vencimento-base;
  2. o piso está atrelado à jornada de trabalho completa (art. 7º, inciso XIII, da CF/88), podendo a remuneração ser reduzida proporcionalmente no caso de carga horária inferior a 8 (oito) horas por dia ou 44 (quarenta e quatro) horas semanais;
  3. a implementação do piso salarial deve ocorrer mediante negociação coletiva realizada nas diferentes bases territoriais e nas respectivas datas-base, devendo prevalecer o negociado sobre o legislado;
  4. sendo frustrada a negociação coletiva, caberá dissídio coletivo, de comum acordo (art. 114,
  5. 2º, da CF/88).

 A primeira questão que se apresenta como nebulosa é a “remuneração global”. Em tese, integram a remuneração todas as parcelas de natureza salarial, como salário fixo, salário variável, gratificações, adicionais de remuneração legais e normativos, dentre outras. Porém, como está ela atrelada ao pagamento da jornada de 44 (quarenta e quatro) horas, não se deve considerar, para fins de apuração do piso, os valores pagos a título de horas extras e, tampouco, aqueles pagos pelas horas trabalhadas em domingos e feriados. Outras parcelas, como gratificações e prêmios habitualmente pagos, adicional de tempo de serviço e até mesmo adicional de insalubridade ou de periculosidade, por estarem treladas à jornada ordinária, nesse primeiro momento podem ser computadas no momento de identificação do atingimento ou não do valor do piso salarial previsto na Lei nº 14.434/2022.

Evidentemente, a sugestão de interpretação antes indicada reflete uma impressão inicial dos reflexos da decisão do STF, não se mostrando maduro firmar que será exatamente esse o entendimento final sobre o tema: o transcurso do tempo e posteriores discussões sobre sua interpretação pelo Poder Judiciário é que darão contornos definitivos ao debate.

Uma segunda questão provoca certa sensação de insegurança às empresas. A aplicação do piso está condicionada à negociação com o sindicato e, caso frustrada a solução negociada, ao julgamento de um Dissídio Coletivo pela Justiça do Trabalho. De todos conhecida a frase “mais vale um mau acordo que uma boa demanda”, de Washington de Barros Monteiro. Pois bem, são poucos os empregadores que se sentiriam seguros para atribuir a decisão da implantação do Piso da Enfermagem ao Poder Judiciário, no caso à Justiça do Trabalho. Assim, não vejo outro caminho senão o da negociação coletiva, com resultado efetivo. O STF traz elementos relevantes que deverão ser considerados, tanto na negociação, quanto no julgamento pela Justiça especializada, que são a preocupação com eventuais demissões e o caráter essencial do serviço de saúde. Há um forte indicativo de que a solução não é apenas determinar a aplicação do piso, mas também ponderar os riscos da empregabilidade, o salário praticado na região, os reflexos na saúde financeira da empresa, a preservação do atendimento prestado pela instituição, dentre outros.

Por fim, a última definição foi da fixação da proporcionalidade do Piso da Enfermagem. Ou seja, quem trabalha em jornada inferior à carga horária de 8 (oito) horas por dia ou 44 (quarenta e quatro) horas semanais terá o valor apurado de forma proporcional, conforme a jornada.

Mantemos nosso entendimento, portanto, já registrado em orientações anteriores, que as entidades empregadoras privadas adotem como referência, a título de observância do piso, o valor da remuneração global de seus empregados e não os salários nominais; que seja calculada a proporcionalidade para apuração do piso, conforme a jornada de cada contrato; e que seja buscada solução negociada com as entidades profissionais, caso não esteja o empregador observando o piso da enfermagem, considerados critérios acima indicados.

Estamos à disposição para maiores esclarecimentos,

BENÔNI ROSSI – OAB/RS 43026 

Advogado do escritório RMMG Advogados